- por Nilson Sousa
Por Joice Bacelo — Do Rio
Uma empresa que licencia softwares em nuvem obteve decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) que a livra de pagar imposto. Os desembargadores enquadraram a atividade no artigo da Constituição Federal que garante imunidade tributária para livros, jornais e periódicos.
A decisão, em caráter liminar, beneficia a Doutor-IE. Para os julgadores, deveria-se aplicar o benefício porque a finalidade do serviço prestado pela empresa é “difundir cultura”.
Por meio de uma plataforma na internet, a companhia comercializa um programa de computador que disponibiliza informações técnicas automotivas. São milhares de dados sobre sistemas mecânicos e elétricos, que podem ser acessados pelos usuários – oficinas, em grande parte. Ao pagar uma assinatura mensal, é possível obter quatro tipos de licença: sobre motocicletas, carros, SUV ou caminhões.
Existem poucas decisões sobre o tema mas, segundo advogados, o volume de discussões é crescente no Judiciário. Especialmente pela quantidade de programas que vêm sendo desenvolvidos no mercado de tecnologia, inclusive em razão do isolamento provocado pela pandemia.
As prefeituras são responsáveis pela tributação do software. Geralmente classificam essa atividade como tecnologia e cobram ISS. No caso julgado em Santa Catarina, por exemplo, o município de Florianópolis – onde está localizada a empresa – exigia a alíquota de 2%.
O pedido de liminar da Doutor-IE havia sido negado em primeira instância. A empresa recorreu ao tribunal e conseguiu reverter a decisão na 1ª Câmara de Direito Público, onde o entendimento foi unânime (processo nº 5025285-32.2021.8.24.0000).
Os magistrados usaram como base um julgamento em que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmam que a imunidade tributária constante no artigo 150 da Constituição Federal – voltada para “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” – também se aplica aos livros eletrônicos e ao seu suporte técnico (RE 330817).
“À luz do que fora decidido no leading case, inconteste que a imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso IV, alínea d, não se restringe aos materiais didáticos (livros e periódicos) impressos, vez que restaram incluídas no aludido conceito as novas ferramentas digitais que visam a transmissão de educação, cultura e informação”, afirma no voto o relator, desembargador Luiz Fernando Boller.
Representante da Doutor-IE no caso, o advogado Rodrigo Schwartz Holanda, sócio do escritório Menezes Niebuhr, afirma que essas discussões, quando não são exatamente iguais à tratada no STF, costumam gerar bastante polêmica.
“Só que o STF, ao decidir sobre o livro eletrônico, fez uma construção histórica. O que está protegido pela Constituição é a difusão da informação e da cultura. E o software, nesse caso em que atuamos, tem como finalidade exclusiva disponibilizar informações”, diz Holanda.
Especialista em tributação, Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, afirma que imunidade tributária tem de ser interpretada de forma ampla, de acordo com a finalidade do serviço prestado. “Isso traz subjetividade, gera uma zona cinzenta e, por isso, há embate entre contribuintes e prefeituras”, diz.
O advogado atende a dona de um aplicativo que permite ao usuário acessar diversas revistas. Essa empresa teve o pedido de imunidade negado em primeira instância, mas conseguiu anular a decisão no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Os desembargadores atenderam um pedido para a produção de provas adicionais. Lopes vê a medida como uma sinalização importante. “Querem entender qual é o serviço prestado para analisar se encaixa na imunidade tributária”, diz. Não há ainda, portanto, uma decisão.
A Prefeitura de Florianópolis foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico
Associação Paulista de Estudos Tributários, 20/8/2021