- por Nilson Sousa
Por Fabio Graner e Beatriz Olivon — De Brasília
Entrou na pauta do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) uma discussão considerada pelos Estados como uma verdadeira bomba fiscal, com custo estimado em R$ 26,7 bilhões ao ano. O julgamento em curso é sobre a validade de alíquotas diferenciadas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação.
Os porcentuais incidentes são questionados por grandes consumidores por serem cobrados em patamar superior ou semelhante às alíquotas de produtos supérfluos, como bebidas alcoólicas.
Por enquanto, dos onze ministros, três votaram já na sexta-feira, quando o tema entrou na pauta, pela alíquota de 17%, que é aplicada de forma geral pelos governos: o relator, ministro Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, que havia pedido vista no começo do ano, e Cármen Lúcia. Alexandre de Moraes votou a favor dos Estados em telecomunicações, mas contrário à cobrança sobre energia.
Com a abertura do Plenário Virtual e a clara tendência contrária a eles, os secretários estaduais ficaram assustados. Uma reunião ocorreu no fim de semana para discutir o que fazer e a hipótese de elevar alíquotas de outros produtos para compensar a perda entrou na mesa, além da possibilidade de uma emenda à Constituição para deixar claro que podem trabalhar com alíquotas diferenciadas.
O pânico diminuiu quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista ao processo no sábado, mas em tese ele tem um mês para devolver a peça e o risco fiscal está colocado, por isso os governos locais estão se movimentando. Os Estados consideram que uma decisão contrária a eles – vista como provável – ainda em meio à pandemia e com o orçamento já em execução é bastante delicada para a saúde fiscal e demandará reação imediata e dolorosa para compensar a perda.
“Os governadores devem buscar ainda essa semana os ministros do Supremo para explicar isso. Esse assunto foi imensamente discutido [no fim de semana], a preocupação é imensa e, caso isso aconteça [decisão contrária], existe uma compensação em outras áreas, vai pesar bastante”, disse ao Valor o diretor institucional do Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), André Horta.
O secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, vê grande probabilidade de perda nessa ação e reforça que, se isso de fato ocorrer, compensações serão inescapáveis. “Se o STF decidir contrário, ou os Estados perdem uma arrecadação muito grande ou vão ter que mudar as alíquotas por lei e elevar a carga tributária. Isso só piora o problema”, disse ao Valor, afirmando que os segmentos em discussão representam mais da metade da arrecadação de Alagoas.
Para ele, a discussão só reforça a necessidade de se avançar na reforma tributária completa, em tramitação no Congresso. “Os Estados têm clareza de que não dá mais para deixar o ICMS do jeito que está, ele foi construído em outra época. Talvez hoje o maior problema de transações econômicas no Brasil é o ICMS”, salientou, criticando o fatiamento da reforma.
A secretária de Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba, reforça a necessidade de reforma tributária e diz que a situação imposta pelo julgamento é muito preocupante. “É uma bomba atômica [para os Estados]”, disse, destacando que o Judiciário tem tomado uma série de decisões que geram graves perdas de receitas a esses entes.
No caso do julgamento em curso, explica, a questão da seletividade do ICMS pode impor ainda uma perda para o fundo de combate à pobreza, pois a legislação atual permite uma alíquota adicional de 2% sobre produtos não essenciais para esse programa. “Se a energia passa a ser tratada como produto essencial, esse adicional também não poderá ser cobrado”, disse.
O caso concreto em julgamento nasceu de um pedido das Lojas Americanas contra a cobrança de ICMS em Santa Catarina sob a alíquota de 25%, em vez da alíquota de 17% usada para a maioria dos produtos no Estado. O impacto financeiro para SC é e uma perda de R$ 96,6 milhões por mês – queda de 32% – na arrecadação do ICMS sobre energia, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE).
A PGE alega que o Judiciário não pode assumir competência constitucional atribuída ao legislador, que definiu a alíquota. Diz ainda não existir violação ao princípio da seletividade tributária, uma vez que o Estado fez o escalonamento de alíquotas de ICMS quanto às classes de consumidores de energia elétrica – pequenos produtores rurais e consumidores residenciais são tributados pela alíquota de 12%, e não 25% como em setores industriais e mercantis. Além disso, aponta que a Constituição diz que o ICMS pode ser seletivo em função da essencialidade, mas não é uma obrigatoriedade.
De acordo com Leandro Passos, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, que representa a Americanas, a Constituição permite que os Estados estabeleçam alíquotas variadas de acordo com a essencialidade do produto. Assim, se o produto for supérfluo, a tributação pode ser maior, o que não seria o caso de energia e telecomunicações.
O pedido é para as cobranças correntes e também para o que já foi pago, o que para os Estados é algo impensável. O advogado destaca que, entre os votos favoráveis, o ministro Dias Toffoli já indicou uma possível modulação, limitando a decisão para as cobranças a partir de 2022, para os Estados terem a possibilidade de se preparar e, para o passado, somente para quem já tiver entrado com ação.
De acordo com o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, a cobrança diferenciada ofende o princípio constitucional da isonomia, já que as normas estaduais diferenciam os grandes consumidores das cooperativas, produtores rurais e pessoas físicas. “É um tratamento desigual entre contribuintes na mesma situação”, afirma. Para ele, não há justificativa para a cobrança diferente nos casos de energia e telecomunicações.
Fonte: Valor Econômico
Associação Paulista de Estudos Tributários, 16/6/2021