- por Nilson Sousa
Até pontos de programa de fidelidade vão ser tributados”, adverte o tributarista Lucas Ribeiro.
A reforma tributária levará ao aumento de preços de quase 600 mil itens, entre produtos e serviços, e impactará empresas fornecedoras enquadradas no Simples Nacional. Além disso, a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual – constituído pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – pode chegar a 30,3%, acima dos 26,5% até então divulgados.
O alerta foi feito pelo advogado tributarista Lucas Ribeiro, fundador e CEO da ROIT, empresa de inteligência artificial para a gestão fiscal, contábil e financeira de organizações. Ribeiro apresentou a análise em audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para discutir a regulamentação da reforma. A fala chamou a atenção por lançar luz em detalhes que até então estavam passando despercebidos.
O estudo apresentado pelo CEO da ROIT, Lucas Ribeiro, se fundamenta em ampla base de dados da própria ROIT, especializada em atender empresas de várias atividades econômicas enquadradas, principalmente, no regime Lucro Real, com obrigações acessórias do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) , da Receita Federal e documentos fiscais. Foram compiladas as informações de 837 empresas de todo o país, que juntas faturam R$ 470 bilhões ao ano.
O especialista explica que a análise do impacto da reforma tributária deve se voltar cuidadosamente para o recálculo dos preços de compra de mercadorias, serviços e outros itens hoje não tributados, como é o caso do comodato, da locação de bens móveis e imóveis, dos empréstimos tomados, entre diversos outros. “Até os pontos de programas de fidelidade serão tributados!”, discorre o especialista.
O cálculo precisa considerar os tributos incidentes em toda a cadeia, para que só então inserir os novos tributos. A partir dessa recomposição é que se torna possível definir os novos preços de venda, para garantir que a margem não seja comprometida com o novo sistema. Essa é uma das razões pela qual uma empresa não pode se pautar pela mudança das alíquotas e precisa se atentar para a mudança de preços, item a item, desde já. Ribeiro constata que, em muitos casos, as empresas estão interpretando a reforma tributária de maneira equivocada, preocupadas com a alíquota, quando deveriam se preocupar com a base de cálculo, que será muito mais ampla.
Nesse sentido, o levantamento identifica quase 600 mil itens (584 mil, para ser exato) que precisarão sofrer aumento. São produtos e serviços dos mais variados tipos. Já por parte do Fisco, para não haver perda de arrecadação, Ribeiro adverte que é impossível, nas condições postas, que a alíquota do IVA dual seja de fato apenas 26,5%, considerando o cenário dessas empresas analisadas.
“Para entendermos o impacto da reforma, precisamos ver a base de arrecadação. [E o projeto de lei complementar 68/2024] tem 28 páginas e mais de 20 artigos para definir cálculo de ‘neutralidade’. É complexo projetar esse cálculo, sem estarmos em risco de uma majoração extrema de arrecadação entre 2027 e 2029.
Por isso, Ribeiro chama o IVA da reforma tributária de “Ivão”, com características que fogem ao conceito de imposto sobre valor adicionado aplicado no mundo. “Ele [IVA] se identifica como simples, ele se diz neutro e tudo mais, mas ele pula Carnaval, ele come feijoada, bebe caipirinha… É um IVA muito diferente, é um IVA muito especial, é um IVA brasileiro, e nós temos que tomar todos os cuidados com ele.”
Impacto às empresas no Simples Nacional
Outro aspecto que merece cuidado e vem sendo negligenciado é o impacto da reforma tributária sobre as empresas do Simples Nacional. Isso porque esse segmento se caracteriza como fornecedor e cliente de grandes empresas, inseridas no Lucro Real, cuja tributação passa a ser alterada, entre outros aspectos, pela geração de créditos tributários financeiros, ou seja, o crédito corresponderá apenas ao valor efetivamente recolhido. Ocorre que adquirir de empresas do Simples não resultará em geração de créditos integrais, reduzindo a competitividade dessas empresas.
Desse modo, as grandes companhias podem perder R$ 1 bilhão em créditos, por comprarem, atualmente, R$ 6,4 bilhões em bens e serviços. A fim de não arcar com essa perda, um risco é que as empresas do Lucro Real dispensem, então, fornecedores do Simples Nacional, o que seria um estrago para esse segmento.
A saída apontada é as empresas do Simples migrarem para o Regime Regular, com o IBS e a CBS apurados como se estivessem no Lucro Real, o que é complexo. “São 6 milhões de empresas no Simples Nacional, que não estão habituadas com a complexidade do regime tributário não cumulativo. Migrar exige sistemas, processos, cultura, conhecimento; exige investimentos”, argumenta o tributarista.
Sobre a regulamentação da reforma
A audiência pública voltou-se para o primeiro texto base de regulamentação da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados em julho – o PLP 68/2024. A reforma tributária, por sua vez, foi aprovada e promulgada em 2023, por meio da Emenda Constitucional 132.
Esse primeiro texto trata da regulamentação do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo (IS), outro tributo criado pela reforma tributária.
Um segundo projeto de regulamentação (PLP 108/2024), que trata do Comitê Gestor do IBS, foi aprovado pela Câmara em 13 de agosto. O órgão será necessário porque o IBS substitui dois tributos de entes federativos distintos – o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).
Fonte: