- por Gilberto Correia
Uma indústria metalúrgica conseguiu na Justiça afastar a cobrança de PIS e Cofins sobre valor perdoado de dívida, negociado com um banco. A decisão liminar é a primeira que se tem notícia e foi proferida pela 6ª Vara Federal de Campinas (SP).
A tese chegou ao Judiciário com a jurisprudência desfavorável na esfera administrativa. Os poucos julgados sobre o tema adotam o entendimento da Fazenda Nacional de que os valores devem ser considerados receita e, portanto, tributados — alíquota de 9,25% de PIS e Cofins.
A discussão é importante neste momento de pandemia e pode abrir caminho, segundo advogados, não só para descontos dados por bancos em financiamentos, mas também para negociações entre empresas e até mesmo em recuperações judiciais.
No caso, a indústria metalúrgica, localizada em Hortolândia, interior de São Paulo, conseguiu um abatimento de cerca de R$ 640 mil em empréstimo com o Banco Bradesco. E decidiu entrar na Justiça com a tese, com a alegação de que esses valores perdoados não poderiam ser considerados receita, uma vez que não houve novo ingresso de dinheiro no caixa.
De acordo com o advogado que assessora a metalúrgica, Eduardo Galvão, do GBA Advogados Associados, “ainda que numa análise contábil se trate de um resultado escritural positivo, os valores obtidos com o perdão não podem ser classificados como receita financeira, uma vez que não representa ingresso de novos valores originados de uma atividade operacional ou não operacional desenvolvida pela empresa”.
Se mantida, a decisão da 6ª Vara Federal de Campinas, acrescenta o advogado, pode representar uma economia de cerca de R$ 60 mil, um valor significativo para uma empresa de médio porte em crise financeira (processo nº 5002526-13.2021.4.03.6105).
A tese ganhou força depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, que tratou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Na ocasião, os ministros reafirmaram que existe diferença entre o conceito de faturamento e receita. Para eles, embora todo faturamento seja receita, nem toda receita é faturamento (RE 574706).
Mas desde 2013, com o julgamento em repercussão geral que afastou a incidência do PIS e Cofins sobre valores auferidos em cessão de créditos acumulados de ICMS (RE 606107), advogados acham a discussão possível. Na ocasião, o STF definiu receita como ingresso financeiro que se integra no patrimônio, na condição de elemento novo e positivo.
A Receita Federal, porém, tem entendimento contrário ao contribuinte. Na Solução de Consulta Cosit nº 176, de 2018, afirma que a remissão de dívida representaria uma receita operacional tributável pelo PIS e a Cofins.
Ao analisar o pedido de liminar da empresa, o juiz Haroldo Nader, da 6ª Vara Federal de Campinas, entendeu, porém, que “ é cediço que o PIS e a Cofins se tratam de tributos que incidem sobre receita, não sobre resultado/lucro. Então, qualquer desconto obtido pelo contribuinte, ainda que negociado, não pode ser considerado receita financeira: trata-se daquilo que ele deixou de gastar, ou seja, um abatimento no custo de sua atividade, não tributável exceto pelas exações sobre o lucro”.
Ariana de Paula Andrade Amorim, do escritório Briganti Advogados, afirma que a liminar é a primeira que conhece e pode dar força para a discussão. Ela aguarda sentença sobre discussão semelhante, que envolve perdão de dívidas entre duas empresas. O caso está para ser julgado em Divinópolis, em Minas Gerais. Para ela, a discussão cresceu em volume depois do julgamento da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
A advogada acrescenta que existem decisões semelhantes para descontos obtidos em multas e juros de mora de dívida incluída no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). Em abril de 2018, por exemplo, a Cairu Indústria de Bicicletas obteve na Justiça Federal liminar que afasta a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins (processo nº 1000052-91.2018.4.01.4103).
Na decisão, o juiz federal André Dias Irigon, da Vara Federal Cível e Criminal de Vilhena (RO), cita a decisão do Supremo que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e diz que, a partir do precedente, a remissão da dívida não poderia ser tratada como receita para fins de tributação.
Já no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), os poucos julgados sobre o tema são desfavoráveis. Em um caso emblemático, a 3ª Turma da Câmara Superior manteve autuação contra a Silvio Santos Participações de cerca de R$ 900 milhões, em valores atualizados (processo nº 16327.720855/2014-11), que tratou de remissão de dívida.
Para o advogado Leo Lopes, do FAS Advogados, a discussão ainda não ganhou corpo porque não há muitas autuações sobre o tema e nem sempre as companhias querem discutir antecipadamente o assunto no Judiciário. A tese, afirma, abre caminho principalmente para as empresas em recuperação judicial, que conseguem obter às vezes perdão para mais da metade da dívida.
Ele lembra que no projeto da nova Lei de Recuperação e Falências, sancionada em dezembro, havia a previsão para que os valores perdoados não fossem tributados. Contudo, esse ponto foi vetado pela presidência da República.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico
Associação Paulista de Estudos Tributários, 9/3/2021