- por Nilson Sousa
Uma análise sobre a repentina redução no Imposto sobre Produtos Industrializados pelo Decreto nº 10.979/22.
Qualquer movimento de corte de impostos dentro do contexto de nossa um tanto onerosa carga tributária – que, segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), tem a segunda maior relação entre tributos e PIB (33,1%) de toda a América Latina e Caribe, ficando atrás apenas de Cuba (42%) – é um fato, em princípio, a ser comemorado pelo mercado brasileiro.
A grande questão é que há formas e formas de se implementar uma mudança fiscal, seja ela “positiva” ou “negativa” para o bolso do contribuinte. Assim, há movimentos que são construídos a partir de um diálogo com a sociedade e que permitem uma antecipação das empresas, no sentido de estruturarem seus departamentos fiscais e se planejarem, por exemplo, para direcionar aquele recurso extra fruto do corte de impostos (ou para arcar com o ônus do aumento de alíquotas).
E há os movimentos súbitos que, justamente por não serem esperados pelo mercado, impactam diretamente na organização das empresas e ampliam a sensação de imprevisibilidade que impera em nosso ambiente de negócios. Com alguma frequência, esse é o caminho tomado pelos entes políticos em todas as esferas do Estado brasileiro – dos municípios à União – nas decisões de ordem tributária.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Decreto nº 10.979/22, assinado pela Presidência da República no último dia 25 de fevereiro e que reduziu, em média, 25% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para uma série de itens produzidos pela indústria brasileira (incluindo os chamados artigos de linha branca, como geladeiras, máquinas de lavar e fogões) – o corte chega também aos automóveis, em que a redução será, em média, de 18,5%.
Sem qualquer debate que tenha gerado algum tipo de expectativa das organizações nesse sentido, o significativo corte – dentro da faculdade dada ao Poder Executivo de alterar as alíquotas de IPI (CF/88, artigo 153, parágrafo 1º), alterando por via de decreto que passou a valer imediatamente – não permitiu, por consequência, um planejamento financeiro prévio por parte das empresas. A justificativa do governo federal para a alteração foi a de que a arrecadação recorde de janeiro – já descontada a inflação – permitiu a renúncia tributária visando o estímulo à economia.
Novamente, o ponto aqui não consiste em analisar as razões para a redução do imposto – o qual, aliás, não deve ser repassado para o consumidor se levarmos em conta as primeiras análises que relacionam o Decreto nº 10.979/22 com a conjuntura econômica do país, visto que, dado o ainda presente cenário de crise e a baixa margem de lucro das empresas, a tendência é que o corte do IPI seja direcionado para reforço de caixa –, mas a imprevisibilidade das tomadas de decisão que incidem sobre nosso sistema tributário.
Imprevisibilidade que, por sua vez, se traduz em aumento da complexibilidade dentro de um ambiente no qual as empresas já gastam, em média, mais de 1.500 horas por ano apenas para calcular tributos, conforme apontou o relatório Doing Business do Banco Mundial, e no qual mais de 363 mil normas fiscais foram editadas no país desde a Constituição de 1988, de acordo com o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).
Ademais, o decreto em questão trata da TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados) do Decreto nº 8.950/16, que vigora somente até 31/03/2022, ou seja, toda essa redução, todo o trabalho de adequação, todo o cuidado dos adquirentes quanto ao crédito que pode ser realmente tomado, tudo isso pode mudar e mais uma vez nossa legislação deixa as empresas sem um cenário seguro para o próximo mês. Vale destacar que a Receita Federal informou em comunicado datado do último dia 7 de março que está preparando minuta de novo decreto para que a redução geral do IPI, promovida pelo Decreto nº 10.979/22, não sofra qualquer alteração
Tal ponto demonstra, por fim, a necessidade de acompanhamento constante, por parte das empresas, das mudanças que já fazem parte de nossa cultura tributária e de suporte especializado para que se busquem alternativas visando a diminuir os impactos advindos de um sistema em que, até que se prove o contrário, a incerteza é uma das poucas certezas possíveis.
Ana Campos: Especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia fundadora da empresa Grounds
Fonte: jota.info