- por Nilson Sousa
Por Vicente do Carmo Sapienza Filho
A complexidade inerente ao imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS), mais uma vez, tem sido colocada à prova. Muito tem se debatido acerca do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADI 5.469/DF (Tema 1.093), o qual declarou a inconstitucionalidade das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio ICMS nº 93/2015, que versava sobre a incidência do ICMS-Difal nas operações interestaduais cujos destinatários não fossem contribuintes do imposto. Caminhou bem referida decisão ao respeitar o princípio constitucional da legalidade insculpido no inciso III do artigo 147, alíneas “a” e “b”, da CF/88, que assegura a reserva de lei complementar para “a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.
Com todo respeito a interpretações diversas, não há meios de assegurarmos que a existência do ICMS-Difal não alterou critérios base da incidência do imposto, principalmente no que tange ao seus aspectos material, pessoal e quantitativo. Isso porque a relação jurídico-tributária estabelecida anteriormente à existência do ICMS-Difal envolvia o sujeito passivo — contribuinte remetente — e o sujeito ativo — estado da jurisdição do contribuinte, cuja base de cálculo e alíquotas eram aplicáveis à venda ao consumidor final. Com o advento do ICMS-Difal, referida relação jurídica foi alterada com a inclusão de um novo sujeito ativo, qual seja, o estado remetente e, consequentemente, a inclusão da alíquota interestadual no lugar da interna nas operações cujo destinatário não seja contribuinte do imposto.
Tanto é assim que referidas alterações culminaram — e só foram introduzidas em nosso ordenamento tributário — na edição da Emenda Constitucional 87/2015. Fato é que, após o famigerado julgamento, houve a publicação, em 5 de janeiro deste ano, da LC 190 para que, então, houvesse o correto cumprimento do quanto decidido pelo Supremo; tal LC trouxe em seu bojo diversas regras legais, entre elas a necessidade de publicação pelos estados dos respectivos convênios regulamentadores da norma.
Nem se argumente o efeito nefasto do artigo 3º da referida lei complementar assegurando a inconstitucional possibilidade da sua imediata vigência, respeitando apenas a anterioridade nonagesimal, mas ressalto o importante fato de que diversos estados da federação subverteram a lógica legislativa e publicaram leis as quais entraram em vigor antes da publicação do novo convenio ICMS-Difal nº 236/2021, de 6 de janeiro, e estavam produzindo efeitos anteriormente ao desfecho final do julgamento pelo Supremo.
Ora, sabemos que toda e qualquer imposição de obrigação tributária extraterritorial — exatamente o caso do ICMS-Difal — exige necessariamente a edição de convênios para que os contribuintes localizados em outro estado estejam sujeitos à mesma legislação e, então, sejam respeitados a segurança jurídica, o pacto federativo e a necessária neutralidade tributária.
Na medida em que a Constituição, o Código Tributário e a Lei Complementar nº 190, de 2022, exigem a realização de convênio para operacionalizar o ICMS-Difal extraterritorial, as leis estaduais anteriores à data de publicação do Convênio nº 236 são nulas e devem ser refeitas e aprovadas pelas assembleias legislativas, ou seja, as regras do Convênio nº 236 devem estar expressamente previstas nos textos das leis estaduais.
Nesse ponto, há de ser respeitado que o voto condutor do ministro Dias Toffoli na ADI 5.469 (ICMS-Difal) é expresso ao determinar, em modulação dos efeitos, que a matéria pertinente ao imposto deve ser regulada por lei complementar e que as leis estaduais/distritais prévias, bem com as cláusulas inconstitucionais do Convênio nº 93/2015, produziriam seus efeitos até 31 de dezembro de 2021. Ou seja, o vício da inconstitucionalidade não poderá jamais estar apartado da lei pois dela decorre, bem como é extirpado do ordenamento na medida em que tais leis estaduais também estão maculadas posto que declaradas inconstitucionais.
Embora, com grande pesar, os cidadãos brasileiros em pandemia não possam pular o Carnaval, fato é que o carnaval tributário consagrado na ilustre e atual obra do professor Alfredo Augusto Becker está acontecendo e assistimos perplexos ao desfilar dos contribuintes em busca da necessária segurança jurídica.
Fonte: Conjur