- por Nilson Sousa
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Um contribuinte obteve liminar para não pagar o diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS no comércio eletrônico. O pedido foi analisado pela Justiça de São Paulo, que em outro caso, porém, manteve a tributação. São as primeiras decisões que se tem notícia na discussão que surgiu com o atraso na publicação, pelo governo federal, da lei complementar exigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a cobrança.
Aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de dezembro, a Lei Complementar nº 190 só foi publicada neste mês. A exigência foi feita pelo STF em julgamento realizado em fevereiro de 2021. Com o atraso, os contribuintes passaram a defender que o Difal só deveria valer a partir de 2023. Porém, sem ele, os Estados correm o risco de perder R$ 9,8 bilhões em arrecadação.
O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) se reuniu na segunda-feira para discutir a questão e decidiu consultar os secretários estaduais. Para o órgão, como não se trata de aumento de imposto ou novo tributo, não seria necessário cumprir nem a noventena (90 dias para início da cobrança a partir da publicação da lei) nem a chamada anterioridade anual (prazo de um ano) – que jogaria os recolhimentos para 2023.
No Convênio nº 236, publicado na semana passada, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), porém, autorizou os Estados a cobrarem imediatamente o Difal. Em meio às discussões, os contribuintes resolveram recorrer ao Judiciário.
A Sul Imagem Produtos para Diagnósticos, em recuperação judicial, pediu, em liminar, a suspensão da exigibilidade do Difal do ICMS. O processo requer ainda a manutenção da emissão da certidão de regularidade fiscal (Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa), além de pedir para que a empresa não fique sujeita a sanção, penalidade ou limitação de direitos em razão do não recolhimento do diferencial, como o impedimento do trânsito de mercadorias ou a sua apreensão pela fiscalização (barreira fiscal) e a inscrição dos débitos em dívida ativa.
A liminar foi concedida pelo juiz da 8ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, Josué Vilela Pimentel. Ele determinou a suspensão do ICMS Difal exigido pelo Estado de São Paulo com incidência do princípio nonagesimal. O juiz, no entanto, não deixa claro na decisão se a suspensão dos valores vale para o ano ou apenas para o intervalo dos primeiros três meses (processo nº 1000415-3520228260053).
Na 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, o juiz Otavio Tioiti Tokuda, decidiu de forma oposta em pedido feito pela Avantgarde Motors Comercial. A empresa propôs mandado de segurança para que a Fazenda do Estado de São Paulo não aplique imediatamente a Lei Complementar nº 190, de 2022. O pedido se baseia na falta de respeito aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal (processo nº 1000409-282022-8260053).
Para o juiz, a cobrança de Difal não é criação de imposto novo ou majoração de imposto existente. A Lei Complementar nº 190 alterou a Lei Kandir (nº 87, de 1996), disciplinando a distribuição de recursos apurados no ICMS quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados. “Não se trata de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, justamente por não se referir à criação de imposto novo ou majoração de um imposto existente”, afirma Tokuda.
Procurada pelo Valor, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo informou, por meio de nota, que está analisando a questão, inclusive em conjunto com os outros Estados da federação, e que no momento oportuno será expedido comunicado com o posicionamento adotado.
Enquanto isso, o Comsefaz aguarda a conclusão da consulta realizada às secretarias estaduais sobre o tema. Uma posição conjunta sobre o assunto deve ser divulgada nos próximos dias.
De acordo com João Colussi sócio do escritório Mattos Filho, a Lei Complementar nº 190 define a base de tributação e, por isso, trata-se de nova base de cálculo e devem ser aplicadas as anterioridades nonagesimal e de exercício. O advogado afirma que já foi procurado por diferentes empresas com questionamentos sobre o tema, mas ainda não propôs pedidos de liminares.
“As decisões proferidas ainda não entenderam bem a questão, que é simples. É uma leitura da Constituição Federal”, diz o advogado Guilherme Coelho, sócio do CH Law. Segundo ele, a liminar concedida tem uma fundamentação um pouco confusa e a que foi negada baseia-se na argumentação dos Estados de não ser criação de imposto.
Coelho afirma que a maioria de seus clientes entendem que, pelo menos até abril, o Difal do ICMS não é devido e não farão o recolhimento. Mas com o envio de mercadorias, acrescenta, há o receio de barreiras fiscais. “Muito provavelmente mercadorias poderão ser apreendidas nas barreiras sem o comprovante de recolhimento [do Difal] ou liminar na nota fiscal.”
Fonte: Valor Econômico / Apet