- por Nilson Sousa
Decisão é contrária ao pedido dos contribuintes, que esperavam que a cobrança fosse validada apenas a partir de 2023.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quarta-feira (29/11), por seis votos a cinco, que o diferencial de alíquota (difal) de ICMS pode ser cobrado pelos estados a partir de 5 de abril de 2022. A maioria dos magistrados concluiu que a Lei Complementar 190/22, que regulamentou a cobrança do tributo e foi publicada em 5 de janeiro de 2022, deve observar a anterioridade nonagesimal para começar a produzir efeitos.
Na prática, a decisão é contrária ao pedido dos contribuintes, que esperavam que a cobrança fosse validada apenas a partir de 2023. Advogados dos contribuintes ouvidos pelo JOTA aguardam a publicação do acórdão para avaliar se vão entrar com embargos de declaração.
Entenda o caso
O difal de ICMS discutido nas ações é cobrado em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto em outro estado. Nessa modalidade de cobrança, a exemplo do que ocorre no comércio eletrônico, o fornecedor do bem ou serviço é responsável por recolher todo o imposto e repassar ao estado do consumidor final o difal de ICMS – isto é, a diferença entre a alíquota interna do estado de origem e a alíquota interestadual.
A possibilidade de se cobrar esse diferencial foi introduzida na Constituição pela Emenda Constitucional (EC) 87/15 e depois regulamentada pelo Convênio Confaz 93/15. Em 2021, no entanto, o STF declarou inconstitucionais cláusulas desse convênio e decidiu que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema deveria estar regulamentado por meio de lei complementar, o que foi realizado por meio da LC 190/22.
O problema é que a lei complementar só foi publicada em 5 de janeiro de 2022. Com isso, desde a sua edição, começou o debate sobre o início dos efeitos da norma, se em 2022 ou em 2023, diante dos princípios constitucionais das anterioridades nonagesimal e anual. Pela anterioridade nonagesimal, é vedado aos estados cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Pela anterioridade anual, essa cobrança não pode ser realizada no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que institui ou aumenta os tributos.
Noventena foi opção legítima do legislador, decide maioria
No julgamento finalizado nesta quarta-feira (29/11) no plenário físico do STF, venceu a posição do relator, ministro Alexandre de Moraes. O magistrado concluiu que a LC 190/22 não cria nem aumenta tributo e, portanto, por princípio, não precisa observar as anterioridades anual nem nonagesimal. Para o relator, o que houve foi a aplicação de uma “técnica fiscal de distribuição de receitas entre entes federativos sem repercussão econômica tributária aos contribuintes”.
No entanto, Moraes fez um ajuste em seu voto em relação ao posicionamento estampado quando as ações estavam no plenário virtual e entendeu que é constitucional o artigo 3º da LC 190/22, que definiu expressamente a necessidade de observância da noventena para que a lei começasse a produzir efeitos. Ou seja, para o relator, o difal de ICMS, em princípio, não estaria sujeito à noventena nem à anterioridade anual, mas é legítima a opção do legislador em definir a observância da noventena. No plenário virtual, Moraes votara para declarar a inconstitucionalidade desse dispositivo.
Com a mudança no posicionamento de Moraes, o ministro Dias Toffoli ajustou seu voto para acompanhar o relator integralmente. No plenário virtual, Toffoli havia divergido parcialmente de Moraes justamente para validar o artigo 3º da LC 190/22, que definiu expressamente a necessidade de observância da noventena. Também acompanharam o relator os ministros Nunes Marques, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Barroso Barroso.
Divergência
Ficou vencida a divergência aberta por Edson Fachin. Nesta quarta-feira (29/11), o ministro reafirmou a posição defendida em plenário virtual segundo a qual a LC 190/22 deve observar tanto a anterioridade anual quanto a nonagesimal. Caso tivesse prevalecido, esse entendimento autorizaria a cobrança do difal de ICMS apenas a partir de 2023. Para Fachin, foi o próprio STF que definiu a necessidade de regulamentação do difal de ICMS por meio de lei complementar para que ele pudesse ser exigido. Essa regulamentação, observa, foi realizada por meio da LC 190/22.
Mesmo quando questionado pelo presidente Luís Roberto Barros, Fachin não afirmou que esta lei complementar cria um tributo, mas ressaltou que ela cumpre uma decisão do STF que exigiu a regulamentação do tema e precisa se sujeitar à Constituição, inclusive às anterioridades anual e nonagesimal. “Há um fato jurídico inequívoco. A lei complementar editada por decorrência de julgamento deste tribunal [cuja ausência] obstava a exigibilidade do tributo entra em vigor em 2022”, disse Fachin. Em outras palavras, para Fachin, como foi a LC 190/22 que autorizou a cobrança do tributo, ela deve respeitar as anterioridades.
Além disso, Fachin ressaltou que o artigo 3ª da LC 190/22 definiu expressamente a observância do artigo 150, III, alínea “c”, da Constituição, que trata da noventena. Esse dispositivo, por sua vez, faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição, que prevê o respeito à anterioridade anual. Fachin foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Os últimos dois votaram no plenário virtual.
Decisão envolve justiça fiscal, afirma procurador
Thiago González, procurador do estado do Rio Grande do Sul e representante do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg) no julgamento, avaliou que o Supremo observou bem os pontos colocados pelos estados. Primeiro, afirmou González, há uma questão de justiça fiscal sensível nesse julgamento, que é repartição entre os entes federativos das receitas provenientes do ICMS. Além disso, destacou, no julgamento do Tema 1093, em 2021, quando o STF concluiu que deveria ser editada uma lei complementar para regulamentar o difal de ICMS, a Corte reconheceu que as leis ordinárias que instituíram o diferencial em cada estado eram válidas. Elas só estavam com a eficácia suspensa até a edição da lei complementar, que, por sua vez, foi sancionada em 5 de janeiro de 2022.
“Como a lei complementar entrou em vigor e definiu que deveria ser observada a anterioridade nonagesimal, o STF entendeu que esse prazo deveria ser respeitado”, disse o procurador, que observou que parte dos estados já observou esse período de 90 dias para começar a cobrar o difal de ICMS.
STF escolheu fragmentos da Constituição, criticam advogados
Para o advogado Saul Tourinho Leal, sócio do escritório Ayres Britto e representante da Abimaq na ADI 7066, a decisão do STF não produziu a melhor interpretação possível do artigo 3º da LC 190/22. Assim como o ministro Fachin, o advogado sustenta que esse dispositivo fez uma referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição, que prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também define que deve ser observado o disposto na alínea “b”. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual.
Para Tourinho Leal, esse dispositivo implica a observância das duas anterioridades. “Não faz sentido a leitura da alínea ‘c’ sem a alínea ‘b’. Portanto, houve uma interpretação que fragmenta a leitura do texto constitucional. Trata-se de uma interpretação que, a meu ver, viola a literalidade da Constituição. Na prática, é como se o STF tivesse reescrito a alínea ‘c’”, diz o advogado
A tributarista Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, avalia que a maioria dos ministros do STF escolheu fragmentos do texto constitucional para definir a necessidade de observância apenas da noventena. “Essa decisão é grave sistemicamente. O julgamento não considerou que o Congresso Nacional, de maneira consciente e por prudência, elegeu adotar o que prescreve a alínea ‘c’ do inciso III do art 150, que é apenas e tão somente um adendo à alínea ‘b’, que estabelece a anterioridade. Deixar de considerar a literalidade do dispositivo é escolher fragmentos do texto constitucional, arbitrariamente, é o mesmo que aniquilar a Constituição Federal”.
Fonte: jota.info