- por Nilson Sousa
Por Joice Bacelo, Adriana Aguiar e Beatriz Olivon — Do Rio, São Paulo e Brasília
Um levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com base nos balanços das 60 maiores empresas do país mostra que 16 delas – o que corresponde a 27% – registraram ganhos referentes à exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, a chamada “tese do século”. Constam, ao todo, R$ 24 bilhões de créditos. Essas companhias discutiam o tema na Justiça e tiveram as ações encerradas (transitadas em julgado).
Somente a Petrobras, a maior empresa do país, registrou, no ano passado, R$ 16,9 bilhões de ganhos com essa discussão. Afirmou, em fato relevante ao mercado, que o aproveitamento desses valores seria feito mediante compensações (uso de crédito fiscal para quitar tributos correntes).
O Valor verificou que a Petrobras Distribuidora registrou mais R$ 1,43 bilhão. A Braskem, que também figura entre as 60 maiores empresas do país, aponta ganhos de R$ 3,06 bilhões e a Via Varejo informa R$ 1,4 bilhão no seu balanço. Já o Magazine Luiza teve decisão definitiva em 2019, com valor de cerca de R$ 1,2 bilhão.
Esses números mostram a dimensão do problema para as empresas caso o Supremo Tribunal Federal (STF) atenda o pedido que foi feito, por meio de embargos de declaração, pela União: a chamada modulação de efeitos.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pede para que a decisão que determinou a retirada do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins – proferida em março de 2017 – tenha validade somente a partir do julgamento do recurso, marcado para quinta-feira.
Se isso acontecer, a União não precisará devolver os valores cobrados de forma indevida no passado. Uma decisão nesse sentido, dizem os advogados, além de prejudicar as empresas que têm ações em andamento, poderia provocar um caos na contabilidade daquelas que já encerraram a discussão, têm créditos acumulados e os utilizam para quitar tributos correntes.
A PGFN pode tentar reverter as decisões transitadas em julgado por meio de ações rescisórias. Segundo consta no artigo 535, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC), a União teria até dois anos, após o julgamento do Supremo, para ingressar com essas ações.
As empresas, nesse caso, é que correriam o risco de ter que restituir os cofres públicos. E o impacto seria enorme. Uma companhia com faturamento de cerca de R$ 300 milhões ao ano, por exemplo, poderia ter até 35% do seu patrimônio líquido comprometido.
“O resultado é impressionante. Haveria uma diminuição instantânea no valor da empresa”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, que foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Essa projeção foi feita por Mendonça de Barros e Antonio Sellare, seu sócio na MB Associados. Para chegar ao resultado, eles levaram em conta uma “empresa média típica”: faturamento inicial de R$ 280 milhões, corrigido por uma inflação de 3,5% ao ano, que recolhe 18% de ICMS e distribui dividendos e juros sobre capital próprio correspondente a 25% do lucro líquido.
O estudo trata de uma empresa que teve o seu processo encerrado (transitado em julgado) há cinco anos. Ela parou de recolher as contribuições sociais com o ICMS embutido e vem utilizando, desde a decisão, os créditos acumulados no passado (quando recolhia de forma indevida) para quitar tributos correntes.
“Seria um transtorno enorme ter que rever tudo isso. As empresas ajustaram os seus preços a essa situação, distribuíram dividendos. Haveria impacto no patrimônio e isso mexe, inclusive, na avaliação de crédito da companhia”, afirma Mendonça de Barros.
Cassio Borges, superintendente jurídico da CNI, chama a atenção que a União também está ficando com uma parte desses ganhos. As empresas precisam pagar 34% de IR e CSLL sobre tais valores. A exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins está entre os 91 temas que constam na Agenda Jurídica da entidade deste ano – que será lançada hoje. Essa agenda é utilizada para mostrar os temas prioritários para a indústria no STF.
A CNI atua como parte interessada (amicus curiae) na chamada “tese do século”. Borges diz que, juridicamente, não haveria espaço para a modulação de efeitos. “Esse tema foi levado a julgamento em 2006 e, naquela ocasião, seis ministros, a maioria, votaram pela exclusão do ICMS. Em 2014, o julgamento foi finalizado e a decisão confirmada. Depois, em 2017, o STF reafirmou a decisão.”
A PGFN considera o julgamento de março de 2017 como “disruptivo” e, por esse motivo, entende ser necessária a modulação de efeitos. Diz que o entendimento anterior, pela inclusão do ICMS no cálculo do PIS e da Cofins, constava, inclusive, em súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O impacto estimado aos cofres públicos é de R$ 258,3 bilhões.
Para o tributarista Vinicius Jucá, do escritório TozziniFreire, nenhuma alteração em relação a esse caso é bem-vinda. Mudar o entendimento, além disso, diz, “afetaria muito a credibilidade do país”, especialmente “num momento em que tantas multinacionais estão de saída”.
Cristiane Romano, sócia do escritório Machado Meyer, concorda que não há espaço para a modulação de efeitos e – menos ainda – para que essa decisão venha a afetar empresas com ações finalizadas. “Isso nunca aconteceu antes”, diz. A advogada entende que nem mesmo a ação rescisória seria cabível a esses casos.
Existe uma outra questão, no entanto, que também será analisada pelos ministros e, a depender do resultado, poderá respingar nas empresas que têm o direito ao crédito já reconhecido pela Justiça. Trata sobre o ICMS que deve ser retirado do cálculo: se o que consta em nota fiscal ou o efetivamente recolhido, geralmente com valor menor.
“Se a decisão transitada em julgado for vaga, se não estiver assegurada a exclusão do ICMS destacado na nota e o STF decidir pelo recolhido, poderá haver discussão. Mas a análise terá que ser caso a caso”, diz Ronaldo Redenschi, sócio do escritório Vinhas e Redenschi. Ele não acredita, no entanto, que os ministros decidirão dessa forma.
Essa discussão sobre ICMS destacado ou pago não ocorreu em nenhum momento do processo – até os embargos -, observa Maria Rita Ferragut, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe. Para ela, por esse motivo, os ministros estariam mudando o que foi decido em 2017 se optarem pela exclusão do imposto efetivamente recolhido aos Estados.
Fonte: Valor Econômico
Associação Paulista de Estudos Tributários, 27/4/2021